PORQUE É PERSONIFICADO O PECADO?
A Psicologia e Sociologia do Pecado
Uma nova questão
NUMA ÉPOCA em que a cristandade em geral acreditava na existência de um diabo sobrenatural, um anjo caído do céu que conspirava em todas as oportunidades para atrair almas para o pecado, não é de estranhar que os Cristadelfianos, estando livres de tais horrores pela Verdade, devem estar ansiosos para demonstrar que o Diabo das Escrituras não tinha nada a ver com as superstições pagãs que tinham infetado o Cristianismo. Por exemplo, no capítulo do irmão Robert Roberts sobre o Diabo em Cristandade Desviada o peso do argumento é mostrar que o ensino das “igrejas” é antibíblico. Hoje em dia, no entanto, na maior parte, as velhas superstições não são defendidas e a corrupção moral é atribuída a males sociais, e talvez encontramos poucas oportunidades para discutir o assunto.
No passado tivemos de demonstrar a partir da Escritura que o Diabo, claramente descrito como uma pessoa, é de facto a personificação do “pecado na carne”. Num clima diferente de pensamento no entanto, somos desafiados a responder a uma nova pergunta: Por que o pecado é personificado? – É por isso que a Bíblia fala do diabo como se fosse uma pessoa? Não é suficiente apresentar um argumento negativo sobre o assunto. Temos de compreender o ensino positivos das Escrituras. Se podemos encontrar um razão clara para a personificação do pecado, estaremos ainda mais bem equipados para mostrar o erro daqueles que ainda mantêm o ponto de vista tradicional.
A questão, porém, não deve ser respondida apenas para o benefício dos outros. Nós mesmos somos desafiados a entender porque algumas passagens, falando do poder da morte, se referem ao Diabo (por exemplo, Hebreus 2:14) 14 “Visto, pois, que os filhos têm participação comum de carne e sangue, destes também ele, igualmente, participou, para que, por sua morte, destruísse aquele que tem o poder da morte, a saber, o diabo” enquanto os outros sobre o mesmo assunto omitem essa referência. Tiago 1:14-15 “Cada um é tentado pela sua própria cobiça, quando esta o atrai e seduz. Então, a cobiça, depois de haver concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, uma vez consumado, gera a morte.” é geralmente citado, ao explicar o Diabo. A passagem simplesmente descreve o caminho que leva à morte: “Cada um é tentado pela sua própria cobiça, quando esta o atrai e seduz. Então, a cobiça, depois de haver concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, uma vez consumado, gera a morte”. A tentação nesta passagem é claramente demonstrada como tendo origem no coração do homem. Não há espaço para a influência de uma força sobrenatural. Mas se a verdade é tão simples, porque é usada nas Escrituras a ideia de "diabo”?
O equivalente do Diabo no Antigo Testamento
Ao aproximar-mo-nos do assunto uma característica se destaca obviamente: o Diabo é um conceito do Novo Testamento. Existem apenas três vezes em que "demónios" ocorre no Antigo Testamento. A palavra "diabo" não se encontra no Antigo Testamento. E essas três passagens falam de falsos deuses adorados por Israel.
Levítico 17:7 “Nunca mais oferecerão os seus sacrifícios aos demónios, com os quais eles se prostituem; isso lhes será por estatuto perpétuo nas suas gerações”.
Deuteronómio 32:17 “Sacrifícios ofereceram aos demónios, não a Deus; a deuses que não conheceram, novos deuses que vieram há pouco, dos quais não se estremeceram seus pais.”
Salmo 106:37 “imolaram seus filhos e suas filhas aos demónios”
A observação merece uma explicação. É uma regra sã de exposição que cada tema, se corretamente entendido, pode ser seguido por toda a Escritura. Qual é então a contrapartida do Velho Testamento para o Diabo? Uma visão geral das Escrituras rapidamente fornece a resposta. O Diabo no Novo Testamento representa o poder em oposição à Verdade. No Antigo Testamento, o papel é realizado pela idolatria pagã. Um estudo de idolatria, tal como apresentado na Escritura estabelece as bases para a compreensão do Diabo.
A loucura da idolatria é desnudada em Isaías 44. As observações feitas pode parecer óbvias para a mente iluminada, mas vale a pena fazer um pequeno balanço dos efeitos desta análise. No versículo 9, o profeta declara que a vaidade dos ídolos é atestada pela sua própria natureza: “eles mesmos são testemunhas de que elas[imagens] nada vêem, nem entendem, para que eles sejam confundidos." Qual é então o segredo do seu poder sobre os homens? O versículo 13 dá a resposta. “O artífice... esboça uma imagem; …à semelhança e beleza de um homem”. Como há um só Deus, a idolatria só pode ser o produto da imaginação do homem “o seu coração enganado o iludiu, de maneira que não pode livrar a sua alma, nem dizer: Não é mentira aquilo em que confio?” (V.20). Naturalmente os ídolos resultantes são imagens distorcidas do homem para refletir as características e as faculdades que o homem considera mais desejáveis. Verdadeiramente “o ídolo não é nada” por si só, mas é a expressão externa do orgulho humano e rebelião contra Deus. Se o ídolo tem uma existência que não seja de madeira ou pedra, só pode ser no coração do homem. Esta é a mensagem de Ezequiel, no capítulo 14, onde a Palavra do Senhor testemunhou contra os homens de Israel que levantaram “os seus ídolos dentro do seu coração”. “Filho do homem, estes homens levantaram os seus ídolos dentro do seu coração, tropeço para a iniquidade que sempre têm eles diante de si; acaso, permitirei que eles me interroguem?" (V.3).
Podemos assim maravilhar-nos com a capacidade do homem para o auto-engano. As etapas desse processo são descritos em Êxodo 32, quando Arão fez o bezerro de ouro. Começando com os brincos de ouro, aparato de vaidade humana , um bezerro de ouro, foi moldado, e depois investiu na mente das pessoas com o poder que os livrou do Egito “o teu povo, que fizeste sair do Egito, se corrompeu e depressa se desviou do caminho que lhe havia eu ordenado; fez para si um bezerro fundido, e o adorou, e lhe sacrificou, e diz: São estes, ó Israel, os teus deuses, que te tiraram da terra do Egito”(v.8). Seja qual for o modelo pagão ao qual a imagem pode ter sido conformada a sua existência era dependente do orgulho de Israel. “Disse mais o SENHOR a Moisés: Tenho visto este povo, e eis que é povo de dura cerviz” (v.9). Na resposta que Arão deu a Moisés temos um vislumbre do auto-engano que teria resultado em Israel realmente acreditar que o bezerro de ouro os tinha salvo: “Então, eu lhes disse: quem tem ouro, tire-o. Deram-mo; e eu o lancei no fogo, e saiu este bezerro. "(v.24). Uma sugestão que talvez alguma forma de adivinhação tivesse sido usada na criação do ídolo.
Ídolos, portanto, podem ser visto como a imagem externa do coração do homem, que é perverso e enganoso. “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto; quem o conhecerá?” Jeremias (17:9) Em que os deuses representados pelos ídolos são atribuídas personalidades, são personificações do coração do homem pecador.
A função social dos ídolos
Mesmo que a existência do poder de um ídolo dependia que o coração do homem assim o quisesse, uma vez estabelecido numa cultura esse poder é maior do que o indivíduo. O irmão Arthur Gibson na sua introdução ao estudo “Eliseu, o profeta da Graça” mostrou que os deuses de Canaã, eram considerados os guardiões dos direitos espirituais e temporais do povo: “Na Palestina, havia um complicadíssimo sistema altamente sofisticado de teologia como a política de ação com uma massmídia cujo objetivo é endoutrinar a população "(Testimony, Setembro 1978). Recusar a vontade dos deuses era se opor às forças sociais representadas pelos deuses. Esses deuses pareciam ter o poder de retaliação pessoal já que a calamidade quase certamente sucederá ao cidadão infiel que ultrapassem as normas e valores sociais. Desta forma, os falsos deuses que se apresentam como agentes de controle social, e uma sociedade era conhecida pelos seus deuses. Existe então um sentido em que os deuses existiam fora do indivíduo.
É fascinante observar que a natureza sofisticada do casamento da teologia com a política na sociedade cananeia foi reconhecido nas Escrituras e recebeu a resposta adequada. Tem sido demonstrado que, assim como abertamente condenanda a estupidez da adoração de ídolos, os profetas de Javé denunciaram os deuses, como Baal, por meio da paródias e trocadilhos: a forma de ataque que convinha à sutileza da influência de Baal. Eliseu ao flutuar o machado de ferro foi visto como um milagre contra a adoração de Israel “da máquina militar da Síria e da teologia atendente de um deus da guerra”. A forma da lição reconhecida, mas ao mesmo tempo, punha em causa, as forças sociais que operam através dos deuses.
Há, portanto, dois aspectos importantes da idolatria, que são reveladas na Escritura. Eles podem ser descritos em termos modernos como a psicologia e a sociologia da idolatria. Pela psicologia refiro-me à base de idolatria centrada nos corações dos homens e mulheres individuais. Idolatria é essencialmente natural, não sobrenatural, porque está enraizada na natureza humana. A sociologia da idolatria, no entanto, é a dimensão importante a ressaltar aqui, porque nós devemos compreender como é que os deuses podem ser maiores do que os indivíduos que originalmente os criaram. Os deuses, embora dependendo da ingenuidade humana para a sua credibilidade, poderiam influenciar o comportamento, atitudes e crenças do indivíduo através de caminhos sutis proveniente de fora do indivíduo e até mesmo independentes duma crença na existência de deuses sobrenaturais. Isto poderia ser assim porque os ídolos encapsulavam a ideologia predominante da sociedade.
Idolatria e o Diabo
A idolatria é referida no Novo Testamento, mas não parece ter tido o mesmo poder sobre as vidas das pessoas como foi o caso no Antigo Testamento. Particularmente nas cartas de Paulo, a idolatria é apresentada como um aspecto de rebeldia contra a justiça ao invés de ser um mal prevalecente. Considere Gálatas 5:19-21.
19 Ora, as obras da carne são conhecidas e são: prostituição, impureza, lascívia,
20 idolatria, feitiçarias, inimizades, porfias, ciúmes, iras, discórdias, dissensões, facções,
21 invejas, bebedices, glutonarias e coisas semelhantes a estas, a respeito das quais eu vos declaro, como já, outrora, vos preveni, que não herdarão o reino de Deus os que tais coisas praticam.
A idolatria é o quarto item de uma lista de dezassete obras da carne. Talvez isso reflita a menor importância dada às doutrinas religiosas de adoração de ídolos no mundo Romano. No entanto, a essência da idolatria era manifestada na vida secular na adoração a Mamom (como Paulo indica, a avareza é idolatria) e na adoração do poder do Estado.
Esta é a razão para a introdução do Diabo no Novo Testamento. É a de cristalizar a consciência do poder do pecado, que ficou a cargo da natureza humana. O Diabo, como uma pessoa, mas também por ser maior do que o indivíduo, resume esse poder. O irmão Thomas expressou claramente este ponto quando escreveu: “A mente carnal ou serpente na carne, é o objecto de uma dupla manifestação, ou seja, individualmente e coletivamente" (Elpis Israel, 14 ª edição, p.91).
"O príncipe deste mundo"
Até agora, temos mostrado que os falsos deuses, embora criações da imaginação dos indivíduos(homens e mulheres corruptos) , podem possuir um poder que era superior, e exterior, ao indivíduo. Os deuses eram parte da estrutura da sociedade, o que representa a ideologia predominante, e pode influenciar o pensamento do indivíduo e de comportamento através das forças sociais. Desta forma, os deuses podiam exercer um controle real sobre os seus seguidores. Esses falsos deuses podem ser pensados como personificações da natureza humana pecaminosa, suas concupiscências e ambições. De forma semelhante, no Novo Testamento o Diabo é apresentado como uma personificação do pecado, que, embora originário do coração do indivíduo torna-se no conjunto de organizações sociais num poder maior do que o individuo.
Apreciando este aspecto do pecado humano nas organizações é essencial para uma plena compreensão do conceito bíblico do diabo. O diabo não é apenas essa “voz de dentro”, que mnos instiga a desobedecer aos mandamentos de Deus. Com efeito, na Escritura, onde a propensão do indivíduo para o pecado é mais claramente discutidas – Romanos 7 – Paulo não menciona o diabo. Naquelas passagens onde encontramos o diabo descrito em detalhe são atribuídos poderes maiores do que os indivíduos possuem.
A primeira referência ao diabo está no relato da tentação do Senhor Jesus no deserto,. Lá, o Diabo está na posição de ser capaz de dar a Jesus “todos os reinos do mundo”. “Levou-o ainda o diabo a um monte muito alto, mostrou-lhe todos os reinos do mundo e a glória deles e lhe disse: Tudo isto te darei se, prostrado, me adorares.”(Mateus 4:8, 9). O Diabo é o senhor do reino dos homens. O mesmo status e autoridade são mais evidentes em Efésios 6. A fim de suportar as astutas ciladas do diabo os Efésios são exortados a “colocar toda a armadura de Deus”, uma proteção que era essencial, pois as forças que lutavam contra eram “principados”, “potestades”, “dominadores deste mundo tenebroso”, e “forças espirituais do mal, nas regiões celestes”(6:12). Estas são as hierarquias sociais, políticas e religiosas criadas pelo homem e que são motivadas por um “espírito de desobediência” que obriga os homens a viverem “segundo o curso deste mundo" (2:2).
Em Efésios 6, mais claramente, somos informados de que a luta contra o pecado não se limita a resistir a uma “voz interior”, mas é também uma batalha contra um governo bem organizado do pecado. As sociedades humanas, governos e instituições, dedicadas ao culto do homem são caracterizadas por um “espírito de desobediência” (Efésios 2:2) que permeia todos os aspectos da vida, incluindo ciência, educação e sistemas religiosos, e atividades sociais e culturais. Através dessas influências as astutas “ciladas do diabo”(Efésios 6:11) seduzem os incautos para seguir “o curso deste mundo” (Efésios 2:2). O pecado domina sobre os assuntos dos homens e por isso é dado o título de “o príncipe deste mundo”(João 12:31).
Nos tempos do Novo Testamento, o poder social e político, foi o Império Romano, e o Diabo é identificável com este sistema em várias passagens. Ao dizer “Sede sóbrios e vigilantes. O diabo, vosso adversário, anda em derredor, como leão que ruge procurando alguém para devorar;” (1 Pedro 5:8), os crentes são advertidos a estar em guarda contra o Diabo, que, como um leão que ruge, anda de roda procurando presas. Em resistindo à sua vontade os crentes teriam que sofrer as aflições infligidas pelas autoridades. Aqui, o Diabo é as autoridades Romanas ao tentarem obrigar os santos a se conformarem com o sistema.
Ao dizer “Não temas as coisas que tens de sofrer. Eis que o diabo está para lançar em prisão alguns dentre vós, para serdes postos à prova, e tereis tribulação de dez dias. Sê fiel até à morte, e dar-te-ei a coroa da vida.”(Apocalipse 2:10), o Diabo é descrito como tendo o poder de lançar os irmãos e irmãs em Esmirna na prisão.
Ao dizer “E foi expulso o grande dragão, a antiga serpente, que se chama diabo e Satanás, o sedutor de todo o mundo, sim, foi atirado para a terra, e, com ele, os seus anjos” (Apocalipse 12: 9). O sistema pagão romano deposto por Constantino é descrito como "a antiga serpente, chamada o Diabo".
Hoje em dia as astutas “ciladas do diabo” (Efésios 6:11) são vistas nas pressões sociais que desafiam a nossa fé de maneira sutil, como apresentando o Cristianismo como uma forma de consciência social. Elas também podem ser vistas nas tentativas da mass mídia e do sistema educacional para nos fazer desacreditar no milagroso. Estamos rodeados por pressões para nos conformarmos que somos incapazes de resistir sem toda a armadura de Deus para nos proteger.
Assim, em resposta à pergunta “Porque é o pecado personificado - apresentado como uma pessoa?” o primeiro ponto que temos enfatizado é que o pecado é uma força mais poderosa do que os indivíduos e que, porque os homens vivem em grupos organizados, pode ter uma existência em si. O pecado individual é a transgressão da lei, mas o pecado expresso coletivamente é uma força política, social, religiosa contra a vontade de Deus. Devido à terribilidade deste poder há uma necessidade para marcá-lo como diferente das deficiências individuais e os atos de pecado. Nas Escrituras, o Diabo serve esse propósito. O fato de que o diabo é descrito como uma pessoa nos ajuda a identificar a força retratada. Isto é necessário desde que o homem criou o poder, e todos são potencialmente canais através dos quais pode ser perpetuado.
O princípio da personificação é resumido na frase “o homem do pecado” (2 Tessalonicenses 2:3). Não porque pode ser encontrado em um só homem, mas porque é pecado proeminentemente encarnado numa ordem de homens. A personificação do pecado, ao invés de apresentar-nos problemas de explicação, deve sublinhar claramente no nosso pensamento a corrupção do reino dos homens e a ameaça que ela representa para os santos.
O Cabeça Federal da Semente da Serpente
O diabo está nas Escritura para chamar a atenção para o poder do pecado manifesto através de organizações humanas. No Novo Testamento, vemos um confronto entre este poder e a autoridade do Céu, investida na pessoa do Senhor Jesus Cristo. A grande batalha registada é o cumprimento da profecia de “Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar.” (Génesis 3:15 ) a respeito da semente da mulher e a semente da serpente. Por um lado é o Senhor Jesus Cristo, a semente prometida da mulher, e por outro lado é o Diabo “a cabeça federal” da semente da serpente. O Diabo é a serpente no mesmo sentido em que o Senhor Jesus foi o segundo Adão.
Desde Génesis ao longo das Escrituras a linha justa da semente da mulher pode ser seguida através de Sete, Noé, Sem, e Abraão, e através de “estrangeiros e peregrinos” (Hebreus 11:13), que esperaram pacientemente para o aparecimento da cidade celestial. A semente da serpente podem ser rastreada através da linha de Caim. É significativo que as Escrituras registam que Caim “edificou uma cidade e lhe chamou Enoque, o nome de seu filho.” (Génesis 4:17). Seus descendentes espirituais continuaram a desenvolver civilizações, dinastias e governos, que, como Babel, foram projetados para perpetuar os ideais e aspirações do homem natural. Uma vez que estas organizações são construídas em torno do homem, inevitavelmente, refletem os pontos fracos e a maldade a que o homem está sujeito. Facilmente estes sistemas podem se virar contra indivíduos para oprimir, perseguir, e pressionar para estarem de conformidade com o sistema. A soma total desses sistemas compõem o “mundo” que o Senhor Jesus venceu.
As semelhanças familiares entre a serpente e o seu primogénito, Caim, são próximas. As características da família são descritas pelo Senhor na sua denúncia dos Judeus, que também eram filhos do diabo. Em João 8:44 Jesus diz deles, "Vós sois do diabo, que é vosso pai, e quereis satisfazer-lhe os desejos. Ele foi homicida desde o princípio e jamais se firmou na verdade, porque nele não há verdade. Quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira.” Tão próximos sãos os relatos das atividades de ambos a serpente original e Caim que é difícil decidir quem está sendo referido. A serpente era um assassino já que foi fundamental para levar a morte à raça humana. Ele era mentiroso e sua a mentira, tu “certamente não morrerás” (Génesis 3:4), é o pai da mentira. Mas o versículo também pode ser aplicado a Caim. Ele foi homicida desde o início. Ele “não se firmou na verdade” (João 8:44) no sentido de que ele foi expulso das faces dos Querubins (Gn 4:14) e ele “saiu da presença do Senhor, e habitou na a terra de Node”(Génesis 4:16). Ele era um mentiroso (4:9) e pai de um expoente maior da mentira (4:23).
Caim era um filho do diabo em que ele herdou uma natureza corruptível e submeteu-se voluntariamente aos seus impulsos. Ele é apresentado em 1 João 3, como o exemplo eminente de um filho do pecado: “Aquele que pratica o pecado procede do diabo, porque o diabo vive pecando desde o princípio... Nisto são manifestos os filhos de Deus e os filhos do diabo: todo aquele que não pratica justiça não procede de Deus, nem aquele que não ama a seu irmão... Caim, que era do Maligno e assassinou a seu irmão; e por que o assassinou? Porque as suas obras eram más, e as de seu irmão, justas”(v. 8-12).
O pecado estava encarnado em Caim, e manifestou na sua vida as “obras do diabo” pelas quais ele matou o seu irmão. Ao longo dos séculos as mesmas obras foram colocadas em oposição à linha justa da semente da mulher, mas na vida e na morte do Senhor Jesus este conflito atingiu seu clímax. Nesta batalha, registada nas Escrituras, o Diabo é usado como uma forma de resumir o poder do pecado numa personalidade que era a antítese da personalidade do Senhor Jesus.
Nós justamente salientamos a vitória do Senhor Jesus ao experimentar todos os tipos possíveis de tentações sem pecar, mas não devemos esquecer que as tentações levantaram-se, não só da natureza de "carne e sangue" com a qual o Senhor nasceu, mas também das propensões do pecado encarnado nas administrações civis e eclesiásticas da Palestina Romana. Estes últimos elementos são claramente vistos nos eventos envolvendo a crucificação.
Os acusadores no julgamento do Senhor foram, por sua definição, “filhos do diabo” (1 João 3:10). Seus motivos para matá-lo surgiram a partir de corações dedicados a manter o seu estatuto próprio e prosperidade. O ódio contra o Senhor Jesus levantou-se da violência do choque entre a verdade revelada de Deus em Jesus e a falsidade. Jesus disse-lhes: “Mas agora procurais matar-me, a mim que vos tenho falado a verdade que ouvi de Deus; assim não procedeu Abraão.” (João 8:40). Esses acusadores perpetuaram a mentira contra Deus na sua rejeição de Seu filho e denunciando o ensinamento de Jesus. No julgamento a sua falsidade ficou evidente na sua dependência de depoimentos de testemunhas falsas.
Essas falsas testemunhas tiveram pouca influência sobre Pilatos, que estava numa posição de colocar Jesus em liberdade. No entanto, Pilatos, como representante da administração Romana, não estava preocupado com a verdade. Jesus disse a Pilatos “Eu para isso nasci e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade.” (João 18:37), mas a resposta de Pilatos foi “Que é a verdade?” A verdade não era o guia das suas ações, e o Senhor foi entregue para ser crucificado. É importante notar que Pilatos e Herodes, antes inimigos, se tornaram amigos na sua oposição à “semente da mulher”. Então, Judeus e Gentios se juntaram para criar um poder do pecado que era "o diabo”.
O papel de Judas nos eventos liga esse poder ao indivíduo. Estamos especificamente dizendo que o Diabo pôs “no coração de Judas Iscariotes, filho de Simão, que traísse a Jesus,” (João 13:2). Como o Diabo, já identificado como a prevalecente ordem religiosa, política e social, operou no coração de Judas? A influência religiosa pode ser vista na medida em que Judas seguiu o ponto de comum sobre a natureza do Messias. Judas ficou desiludido com Jesus. Ele não acreditava que Jesus era o Cristo. A influência política pode ser visto na criação das circunstâncias em que foram consideras necessárias pelas autoridades para tomar Jesus enquanto ele estava longe das multidões. A influência social pode ser vista na medida em que Judas tinha aceite a soberania de Mammon e ele era um “amante do dinheiro”.
A traição de Judas surgiu de acreditar numa mentira sobre Jesus, e tão completamente ele manifestou o caráter da semente da serpente que ele é chamado de “diabo” (João 6:70)(atenção que os tradutores da Tradução do Novo Mundo das Sagradas Escrituras(tradução própria das Testemunhas de Jeová) removeram a palavra “diabo”, talvez porque ia contra a doutrina de um diabo pessoal). Ele não era o diabo uma vez que o diabo não é qualquer pessoa, mas ele foi o canal através do qual o poder do pecado agiu.
A partir destes factos, podemos compreender que a vitória do Senhor Jesus foi mais do que superar as tendências pecaminosas da carne que ele herdou como a semente de Abraão. O Senhor Jesus venceu o mundo – as organizações humanas motivadas por um espírito de desobediência, que faziam tudo o que podiam em todas as oportunidades para evitar qu o Filho de Deus manifestasse o Pai. Essa vitória deu ao Senhor poder para destruir o Diabo, e assim tomar os reinos deste mundo como seus próprios e, finalmente, apresentar-los, libertos do pecado, como uma oferenda para o Pai. Este tempo é descrito em 1 Coríntios 15:24: “E, então, virá o fim, quando ele entregar o reino ao Deus e Pai, quando houver destruído todo principado, bem como toda potestade e poder. Porque convém que ele reine até que haja posto todos os inimigos debaixo dos pés. O último inimigo a ser destruído é a morte”.
O governo, autoridade e poder, que o Senhor Jesus Cristo irá subjugar é a ideia bíblica do diabo. No Apocalipse este domínio do homem é chamado de “o dragão, a antiga serpente, que é o Diabo e Satanás” (Apocalipse 20:2) e que será reprimida por mil anos, enquanto o Senhor governa sobre as nações com cetro de ferro. No final dos mil anos o domínio do homem é permitido levantar a cabeça, só para ser totalmente destruído. Naquele tempo, o Diabo será completamente e finalmente aniquilado, e o reino do pecado terá um fim, e a própria morte irá morrer.
Stephen Palmer
Tradução: S. Mestre